(dedicado a José Saramago)
Bateram as horas, senti as forças tomarem-me como que se algo dentro de mim se fosse separar, assim de um modo violento! Um poema possível, uma outra mensagem que as entrelinhas guardavam entre mundos possíveis de palavras em construção ou talvez desconstrução. Os sons parecem inchar e os segmentos de recta quedarem-se sem que exista mais aquele atrevimento do ensejo… os caminhos conduziram-me aos pântanos da interrogação e das formas verbais com que escrevi o teu nome entre tantos nomes. Todos os nomes! Escrevi, fechei o caderno, mas senti que devia dizer-te muito mais ante tudo o que noutros tempos tivera escrito e que nunca partilhei.
As gotas do coração são manhosas, a angústia existencial corre, deixa-me tonto, vazio e sinto algo que me transporta para um outro patamar, muito esquisito. Relembro amigos e conhecidos, alguns morreram, outros ainda estão por cá! Sinto saudades e a dor atenua quando circulam as memórias… leio livros, desfolho recordações e nada passa de momentos. Morreste! Morreste-me diria o José Luís Peixoto! Recordo-te. Penso-te. Sinto o teu olhar, ouço a tua voz e toda a verdade corre-me pelas veias, o sangue do sentido… eras aquilo que eras, não podias ser outra coisa, a não ser um ser, uma verdade resistente!
Eras o homem que guardava aquilo que sentia de modo único, tu dizias por mim aquilo que silenciei… os outros ouviam, incomodavam-se mas, preferiam viver na ignorância. Agora digo, e continuarei a dizer. Desculpa-me, não tenho que partilhar contigo isto. Contigo, com alguém ou com ninguém. Esses outros preferiam… sentiam ódio por ti, por não conseguirem dizer o que tu dizias. Sempre disseste a verdade! Eras o que eras. Eras isso mesmo. Um homem, um humano, um talento, um racional, um verdadeiro… nada de hipocrisias, nada de faz-de-conta! Defendias a realidade e não a mentira ou mundos de outras palavras. Eras assim, assim como sempre achei que a realidade fazia e faz sentido. Que dizer depois? Que fazer? Nada. Político, poeta, escritor, Filósofo. Um homem de grande luz. O povo esteve contigo, ainda continua contigo mesmo depois de teres partido! José Saramago! Isso. Estamos todos contigo para sempre, ainda que as cinzas sem a poeira do cosmos!
Como me lembro de ti! Lembro… lembro-me desde os tempos de Faculdade, desde o tempo em que te lia com alguns amigos que já partiram – o Luís Caldeira! Outros… entre os meus amigos de Faculdade, figura o José Luís Peixoto, sim, aquele jovem que tem um pedaço de ti. Naquele tempo eram os poemas… Tudo é em determinado momento da vida! Não sei porque ao lembrar-me de ti me lembro também dele. Estranho! Li os dois escritores e os dois tocaram-me de modo diferente. É tão estranho isto, muito estranho mesmo. Mas deixa estar.
Palavras de homenagem, palavras que ninguém as pode apagar, nem com a cegueira, nem com os evangelhos, muito menos com todos os ensaios… nada. És imortal. Qual terra de pecado, apenas são as tuas palavras deste e do outro mundo, são nesta viagem apontamentos que ficam em cadernos, dos dias do sim e do não, seja de Caim a Abel! Seja o que possa ser, tu morreste-me como diria o José Luís Peixoto ou como escrevi naquele tempo no caderno da minha alma que agora ficou reservado a um outro período, a um outro cortejo! Não sei porque estou meio estranho nesta noite, apenas estou e o tempo continua a passar...
Chama-me do que quiseres, serei indiferente à tua posição, sou ateu, comunista, sou tudo e nada sou, porque parecendo que sou, a morte diz que não sou nada, apenas recordação temporária, mas tu, sim, tu és imortal neste meu Portugal. Este ano é o ano da morte! Foi a tua morte… terrível, essa maldita, assassina. Que impotência perante a morte, total resignação. Desgraçada morte e quem te inventou. Seria melhor que não existisses, uma vez que causas revolta e desordem. Esta é a desordem da noite neste momento em que o único momento é este, o ter-te no pensamento e em glória te dedico este texto, num erguerem-se todas as palavras à tua imortalidade pelos feitos das tuas palavras. José Saramago, és eterno e o mundo contigo é racional.
Bem, neste momento falar da morte pouco adianta! Porque ela te levou? O facto é que ela é a grande dona de tudo… já levou tanta gente da minha família, das mais diversas formas. Leva todos e a ti também que lês os meus desabafos, estas palavras ácidas, corrosivas, mas quentes, com o cheiro a sangue! Sobejamente agrada-me o ainda poder pensar-te e recordar-te, sinal que ainda estou vivo. O que me resta entre os devaneios da memória são palavras para te coroar e com todos os que estão contigo, José Saramago, o teu nome é para perpetuar. Até ao nosso outro encontro, face aos apetites do divino que será o descanso eterno entre as palavras que ficam por pronunciar.
Vila Real de Santo António, 22 de Junho de 2010 – 23:02h
Jorge Ferro Rosa
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